oi! gabriel aqui. fevereiro tá acabando - e o ano novo brasileiro finalmente começando, né?
muito obrigado por ser um dos primeiros assinantes de textinhos.
seja bem-vindo ao nosso primeiro volume.
enjoy your stay. bom fim de semana e boa leitura <3
Começar (Recomeçar) | por mim
A semente que cai no chão O primeiro beijo Uma explosão no espaço sideral Um loop que te engole De começos e de fins De reboots e de sequências Uma introdução apressada Um final anticlimático Tentar de novo até o resultado da fórmula mudar O eterno retorno Lembra-te que o começo e o fim são iguais Resta no meio fazer valer a pena E quando a tempestade passar… (Uma outra semente vai pro chão Um novo primeiro beijo O estrondo de outra explosão)
A Fome e o Lobo | por Rigel Castelo
Era uma vez um Lobo que morava numa floresta perto de uma vila. Seus dias eram mansos e a floresta oferecia a ele todas as coisas que precisava: abrigo, água e comida. Havia muita vida lá, centenas de árvores, inúmeras flores e muitas presas para ele caçar! A diversão era tanta que sempre ele estava a cantar, cada palavra proferida, havia de rimar! Há tempos que não aparecia outro como ele na região, então, sobrava muito mais comida para ele, que comilão! Todos os outros tinham medo dos humanos que moravam na vila, mas o nosso Lobo era mais esperto! Contanto que ele não chegasse muito perto, ele estaria seguro, se esgueirando com sucesso.
Uma noite, o Lobo viu várias ovelhinhas entrarem num casebre, elas iam ser presas fáceis e ele teria um banquete! Porém, ao se aproximar, um homem apareceu antes que ele pudesse as abocanhar, e disparou uma espingarda em sua direção, causando um estrondo e afugentando o Lobo que correu rumo à escuridão. Pouco tempo depois o Lobo percebeu estar ferido, mas para sua felicidade o tiro havia pegado de raspão! Ele falou para si mesmo “Isso é o que dá ser enxerido!" e toda vez que o Lobo cogitava voltar, pensava: “Melhor não!”
Muito tempo se passou, mas o Lobo e a floresta já não eram os mesmos. Tinham menos árvores, poucos animais e o rio estava ficando seco. O Lobo farejava comida, mas não encontrava nada! Ele passou dias e dias apenas bebendo água. As esperanças dele estavam morrendo, mas tinha algo de que ele estava esquecendo! A vila próxima da floresta era farta, com muitas crianças, ovelhas e até animais da mata! O Lobo pensou um pouco e olhou para trás, ali não era mais a casa dele, apenas uma floresta morta e nada mais.
O Lobo então se aproximou da vila e esperou a noite cair, esperou e esperou até ninguém mais das casas sair. Pulou pelas sombras, ágil, silencioso como um sopro! Parte devido à Fome, parte por que ele era pele e osso. Ele estava de olho naquela casinha das ovelhas, se ele chegasse lá, com certeza haveria uma ceia! O Lobo chegou no oviário sem demora, o cheiro das ovelhas era forte e doce, como amora. Salivando, ele adentrou na casa, mostrando os dentes, “Vou ter meu tão sonhado banquete, finalmente!”. O Lobo então se deparou com uma solitária ovelha, e ao redor dela, dezenas de carcaças vermelhas. A ovelha notou o Lobo se aproximar e levantou-se vagarosamente, para a surpresa do Lobo ela era magérrima, não serviria nem para palitar os dentes! Ela olhava o Lobo com seus olhos amarelos, impassíveis enquanto seu corpo cambaleava. Enquanto isso o Lobo se aproximava e cantarolando ele perguntara:
— Você não vai correr, gritar ou chorar? Há tempos que não escuto ninguém implorar!
— Por que eu deveria? — A ovelha falou. — Você finalmente me encontrou e veio encerrar a minha dor, eu deveria te agradecer, velho amigo.
— Do que você está falando? Ficar de frente com a morte te deixou delirando? — O Lobo sorria cada vez mais! Lambendo a saliva por antecipação dizendo “O que a morte não faz!”.
— Você ainda não aprendeu nada sobre ela. — A ovelha ainda estava cambaleando, porém seus olhos fitavam o Lobo incessantemente. — A morte é uma extensão da vida. Assim que você me matar, você vai prolongar seu próprio sofrimento, se alimentando apenas da esperança que amanhã você terá outra carne para derreter em suas presas, e eu estarei no sono profundo, aguardando nosso próximo encontro. Há dor na morte mas na morte em si não há dor. Eu sei disso porque já fizemos isso centenas de vezes, eu e você.
O Lobo só poderia estar ficando louco, seus pensamentos foram perdendo sentido pouco a pouco. Aquelas informações atingiram o estômago do Lobo faminto como um soco!
— Não adianta tentar me confundir! Você é a única ovelha que restou aqui! Não há comida em nenhum lugar, não fique achando que vai escapar de mim. — e voltou assim, o Lobo a sorrir.
— Olhe ao redor, não há escapatória, não há comida na floresta e não há comida na relva. O pasto ainda mancha a terra de verde, mas a verdade é que essa floresta foi assassinada. Por quem? Você pode se perguntar, talvez tenham sido os homens que fundaram essa vila e derrubaram as árvores antigas, mais antigas do que suas próprias linhagens, talvez tenha sido a força do destino ou talvez tenha sido você. — As listras horizontais dos olhos da ovelha se dilataram, refletindo a luz da lua que projetava a penumbra dentro daquele Oviário e refletiu também o Lobo, que se viu no reflexo da alma de sua presa.
— Espere, certamente não fui eu! Eu amava essa floresta, que tudo me deu! — A Fome fazia as pernas do Lobo tremerem, ou seria o medo cru que torcia suas entranhas?. — Quem você acha que é para me acusar assim? Isso será o seu fim!
— Sou insignificante perante a tudo, na verdade, eu sou a ausência. Sou a seca dos rios e as árvores mortas que acolhem ninhos abandonados. Sou os pastos desgastados e o rebanho que agora nutre seu solo. Sou a noite que julga numa balança a existência de duas civilizações. Sou uma piada sem graça de entidades entediadas. Eu sou a sua e a minha Fome, hoje eu sou uma ovelha, mas amanhã eu serei você. — No reflexo de seus olhos o Lobo estremeceu, sua boca e seus dentes estavam secos, o Lobo tentou correr mas estava muito fraco, ele só conseguia encarar o vazio dos olhos da ovelha e descobriu que era capaz de chorar. — Eu voltarei ao solo assim como você, abutres se alimentarão de nossa carcaça, os vermes e fungos irão limpar nossos ossos até que o deserto se aproprie das nossas cinzas. No fim você renascerá em uma outra floresta, em uma outra vila, em uma outra vida, e eu estarei esperando você. Neste mesmo lugar, com outro nome, em outra pele.
O coração do Lobo batia forte obrigando-o a escutar o próprio cronômetro acelerado que marcava o fim de sua insignificante vida, ele pensou em protestar, pensou em atacar a ovelha, em saciar a Fome, pensou em sua casa, até que com um estrondo uma bala atravessou sua garganta, derrubando ele no chão. O Lobo não tinha mais forças, seus últimos momentos teriam de ser observar aquele homem e a ovelha que se sentava novamente…
Sem forças para falar o Lobo ficou só a observar. “Parece que iremos sofrer mais um pouco desta vez.” disse a ovelha enquanto descansava a cabeça em sua anca fechando seus olhos, e assim o Lobo também o fez. Ouvindo os grilos cantar, ali estavam os três, quando a ovelha se pôs a falar novamente: “Era uma vez.”
citaçãozinha 💬
“Em breve ninguém estará mais em nenhuma parte, nem tampouco verás nenhuma dessas pessoas que na atualidade vivem. Porque todas as coisas nasceram para transformar-se, alterar-se e destruir-se, a fim de que nasçam outras a seguir.”
Marco Aurélio, trecho do livro Meditações.
vejo você em breve.
o volume #2 de textinhos vem no dia 25 de março de 2023, sempre no último sábado do mês.
até lá!